A favela vista de cima

Dois irmãos, um drone, uma câmera na mão e o sonho de levantar um voo alto baseado em produção audiovisual no Capão Redondo

por Bianca Marques, Carito Salvatore, Caroline Guimarães, Leonardo Rodrigues e Lucas Alvarez

Maxwell Melo (Max), 22, produtor audiovisual e Marcelino Melo (Nenê), 24, trabalham com audiovisual e são criadores da produtora Fluxo Imagens (ou FXO). Entre seus clientes estão rappers, MCs e aspirantes ao estrelato que moram na quebradas. Os irmãos traduzem em imagens a música desses artistas. Negros e nordestinos, vieram para São Paulo com a família em busca de uma vida melhor e foram, de imediato, acolhidos pela periferia. “Vou ser poético um pouquinho. A periferia é meio que uma mãe, saca? A gente conseguiu ascender um pouco aqui, então acho que fomos acolhidos.” declara Max.

A inserção dos garotos no mundo audiovisual aconteceu por acaso, durante uma oficina de fotografia em uma casa de cultura do bairro. Gostaram das aulas, do professor e se apaixonaram pela câmera. Marcelino era MC (mestre de cerimônias) e Max era DJ (disc jockey). Começaram a dar seus primeiros cliques um para o outro. 

O teste de fogo aconteceu quando foram até o “escadão” do Jardim Piracuama. Enquanto um cantava, o outro filmava em uma câmera comprada depois de meses de muito esforço e economia. “O lance da periferia ajuda a periferia talvez já estivesse ali, mas não com maturidade. Assim, acho que não se tinha a ideia clara, mas já era ela, não pensávamos “ah, vamos chamar eles porque vamos ajudar a periferia”, mas sabia que a periferia se fortalecia, e a gente se fortalecia daquela forma sem ter que falar para o outro.”, lembra Nenê. As fotos e vídeos caseiros começaram a fazer sucesso no bairro. Houve a necessidade de assinar as fotos para que fossem dados os devidos créditos a eles. Assim nasceu a produtora Fluxo Imagens, em 2012.

Nenê e Max (foto: acervo pessoal)
Em ação (foto: acervo pessoal)

A ideia do logo e do nome veio de Nenê, que conceituava a ideia de “fluxo” como algo constante, além de ser um movimento das quebradas através dos “pancadões” – um fluxo de pessoas. A brincadeira deu certo. Para sobreviver à crise, precisaram se reinventar.

Estão produzindo videoclipes até hoje e trabalho é o que não falta. Os irmãos Soares perceberam que existiam muitos artistas na quebrada a procura de oportunidades. Eles entenderam que um novato precisa colocar seu trabalho na Internet. Sem isso a coisa “não vira”, segundo eles. Com alguma sorte o artista desconhecido pode virar celebridade da noite para o dia e ter uma legião de seguidores.

O dia a dia deles é pesado. Fazer audiovisual no Brasil requer muita disposição e paixão. Os equipamentos são caros: para fazer um trabalho de qualidade é preciso ter boa câmera, boas lentes e refletores. Os irmãos conseguiram comprar um drone e usam com frequência em seus trabalhos. Já foram convidados a trabalhar na Vila Olímpia, bairro nobre de São Paulo, e recusaram. Querem fazer o “trampo” deles no Capão, querem ficar na zona sul mesmo. “Da ponte pra lá” nada interessa. “Queremos ficar para sempre aqui na nossa quebrada, com a nossa gente”, dizem os irmãos.

O menino do drone

Nenê também é conhecido como “menino do drone”. O apelido é resultado de como ele utilizou seu primeiro drone, comprado em 2015. Depois de aprender a pilota-lo e desenvolver conhecimento técnico, Marcelino começou a produzir registros aéreos de algumas favelas da zona sul de São Paulo. Não demorou muito para que essas imagens passassem a ser usadas em videoclipes de músicas, principalmente de rap. Quem vê a quebrada de cima pode ter uma noção da grandiosidade que ela tem.

Max faz a parte da produção audiovisual no chão, além da direção e edição das fotos e vídeos, nas quais ele trabalha constantemente em busca do melhor resultado ao cliente.

A periferia de São Paulo está cheia de histórias bonitas de empreendedorismo. No Capão redondo foi criado o Banco comunitário União Sampaio, que fornece microcréditos para famílias de baixa renda e possui até moeda própria – a Sampaio, que circula na zona sul. Maxwell e Marcelino fazem parte desse crescimento que vem se firmando na periferia. No caso deles, são artistas-criadores, produzem e dirigem clipes com artistas da quebrada que desejam encontrar seu espaço no mundo globalizado de hoje.

Apesar de todas as dificuldades de investimentos para a produção audiovisual, os irmãos não se abalam e carregam a ideia de “trabalhar com o que tem”. Por este motivo e por conhecer de fato a rotina das quebradas, realizam oficinas de produção de clipes com celular. Criticar o mercado também é um dos objetivos das aulas, que afasta os pobres da aquisição de uma câmera profissional. “Não tem como comprar uma câmera, mas todo mundo tem um celular”, diz Maxwell. As aulas são destinadas, principalmente, a crianças e adolescentes que estão no início da descoberta de quem são e possibilitam a visualização de um cenário diferente do lugar onde moram, seja ela através das imagens feitas por suas câmeras, ou até mesmo pela perspectiva de formas de trabalho que antes não viam.

O trabalho de Max e Nenê transborda arte e cultura de quebrada. Para ser desenvolver bem no mercado e se colocar na mídia, os artistas precisam de um bom videoclipe. A forma que realizam esse trabalho também é impacto social. Obviamente eles não conseguem produzir nada de graça: este é o serviço que paga as contas da Fluxo. Muitas vezes não cobraram o serviço do artista, mas propuseram arcar com os custos da locação de equipamentos e espaço, pelo menos, para não deixar a pessoa sem videoclipe.

“As pessoas que a gente atende, são pessoas que não tem dinheiro, sabe? Então como você empreende em um lugar que o dinheiro não circula? Que a pessoa que pode ser seu cliente, geralmente não consegue pagar? Como você empreende assim?” questiona Nenê. O bom e velho boca-a-boca é a melhor propaganda nesse caso, além das mídias sociais que tornam mais fácil o contato dos futuros clientes com os irmãos.

A maneira como os irmãos Marcelino e Maxwell enxergam e representam as quebradas traz à tona a realidade das comunidades. Tijolos laranjas, caixas d’agua em cima das casas, roupas estendidas, becos e vielas, sonhos. Tudo isso está representado nas lentes dos olhares atentos de Max e Nenê.

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