Arte e ativismo contra a homofobia
No país mais perigoso para a comunidade LGBTQ, Lázaro Lontra constrói e exerce sua identidade como ato político
Talitha Benjamin
A primeira caracterização foi mais por diversão, com a ajuda de amigas, planejada para a Parada LGBT de São Paulo em 2016. No ano seguinte, a drag queen Mata Hari já tinha nome, uma montagem mais elaborada – e desflava pelas ruas da cidade com mais confança do que nunca.
Dono dessa poderosa identidade, Lázaro Lontra é um jovem homossexual assumido no país campeão de mortes da população LGBTQ: um registro a cada 19 horas, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB). Hoje em dia, Lázaro não esconde sua orientação sexual; exerce sua personalidade sem medo ao se montar para assumir a identidade drag queen, agindo contra o preconceito e em favor da quebra de padrões. Mas nem sempre foi assim.
“Sempre soube o que sentia em relação a meninos, mas por conta do que ouvia sobre gays em igrejas, novelas e até de pessoas pelas ruas preferia sempre tentar esconder”, diz o estudante de Rádio e TV de 21 anos. “É algo bem complicado, já que você tem de se policiar para não sofrer algum tipo de repressão moral.”
No mainstream
O reconhecimento da própria orientação sexual foi libertador: marcou o fim da repressão ao falar, andar, agir e se posicionar politicamente. Lázaro, que sempre foi criativo e se interessou por cultura pop, foi in fuenciado pela cultura drag queen, que cresceu muito no Brasil nos últimos anos, sob infuência de programas como o reality show americano RuPaul’s Drag Race – que ajudou a popularizar nomes como Márcia Pantera, Trio Milano e Silvetty Montilla, que já eram referências do público LGBTQ brasileiro.
O programa também abriu espaço para a nova geração, com artistas como Pabllo Vittar, Aretuza Lovi e
Gloria Groove. As drag queens começaram a se mostrar mais presentes entre artistas, apresentadoras, cantoras e comediantes, ultrapassando o nicho e alcançando o mainstream.
Para Lázaro, ser drag é resultado da criatividade exercida com ativismo social. Para ele, é um ato político, pois desafa a regra social do comportamento e de roupas associadas a gêneros. “Quando as pessoas entendem que um homem ou mulher pode vestir roupas de ambos os campos sem ter que dar explicações à sociedade, o preconceito perde força”, diz.
Ele próprio quebra alguns padrões de vestimenta no dia-a-dia, usando saias, esmalte e outros acessórios femininos. “Sem dúvidas, é um ato político que beneficiaria a todos, independentemente do que sejam.”
Criação da identidade
Por mais que seja mais comum ver homens com personagens femininas, ser drag queen é para todos, e tudo vale para “criar uma nova identidade”: isso é encarar um personagem e de forma artística brincar com o sujeito, diz Lázaro. “O personagem é livre para expressar o outro lado, o de quem está por baixo. Essa nova identidade permite ao tímido se soltar e contar piada – ou, ao mais quieto, cantar.”
No entanto, quem se propõe a usar essa forma de expressão como ativismo no Brasil corre um grande perigo. De acordo com dados registrados pelo GGB, a LGBTQfobia ainda causa muitas baixas: das 445 mortes registradas em 2017, 194 eram de pessoas gays, 191 de trans, 43 de lésbicas, cinco de bissexuais e 12 de heterossexuais – no caso, parentes ou conhecidos de pessoas LGBTQ que foram mortos por algum envolvimento com eles.
Lázaro não nega o perigo que enfrenta – e com o qual convive – todos os dias. “Um LGBTQ não luta apenas por si, mas pela liberdade para que cada um que vive no mundo seja o que quiser”. Ele reforça, ainda, que “para lutar contra o preconceito é preciso ensinar, com calma, que o diferente é mais normal do que se imagina – e que é isso que faz cada um de nós únicos. Não tenho dúvidas que a educação é a melhor maneira de desmistificar tudo.”