Busca pelo corpo magro
gera doenças graves

Doenças como bulimia e anorexia afeta jovens que buscam pelo estereótipo do corpo perfeito. Na foto acima, o antes e o depois de Fernanda do Valle.

Por Ana Paula Reis, Jessely Cardoso, Lucas Rodrigues e Mirela Freitas

“Eu me sentia muito pequena por estar brigando por conta de quilos”, revela a escritora Fernanda do Valle sobre sua luta contra a anorexia. Ela sofreu de distúrbios alimentares desde os 12 anos de idade mas só aos 30 foi diagnosticada com a doença. Fernanda só descobriu que estava doente porque sua mãe, preocupada com a magreza dela, levou-a em um hospital para saber se ela estava bem.

O diagnóstico veio em um péssimo momento de sua vida. Fernanda estava noiva e prestes a casar. Faltava 45 dias para seu casamento quando ela foi internada. “Eu soube pelo psiquiatra que o tratamento não teria prazo para terminar”, afirma. Na clínica, se deparou com situações ainda piores: ela viu garotas alimentadas por sonda porque se recusavam a comer. Naquele momento, percebeu que precisava de ajuda.

Apesar de não saber quando iria sair, Fernanda ganhou alta após passar um mês internada e, a despeito do pouco tempo, conseguiu organizar seu casamento. Depois de alguns dias na Europa, ela retornou ao Brasil e diz acreditar que estava curada. A doença, entretanto, ainda habitava o seu corpo. “Foi um longo processo de recuperação”, confessa.

A Complexidade: “Eu queria menos”

A lenta recuperação pode estar relacionada a vários fatores como o estágio da doença ou a maneira como o corpo reage ao tratamento. O caso de Fernanda era mais complexo porque, mesmo ciente de que estava com anorexia, ela não seguia o tratamento proposto pelos médicos. “Eu burlava o tratamento porque eu achava que o peso que eles queriam para mim não era o que eu considerava ideal, eu queria um pouco abaixo”.seguia o tratamento proposto pelos médicos. “Eu burlava o tratamento porque eu achava que o peso que eles queriam para mim não era o que eu considerava ideal, eu queria um pouco abaixo”.

O psicólogo Eduardo Augusto diz que o tratamento requer uma equipe multiprofissional composta por psiquiatra, psicólogo, nutricionista e endocrinologista. “O tratamento também tem um aspecto pedagógico de conscientizar o paciente para adequação alimentar saudável despreocupada para padrões estéticos”, aborda.

Um fator social que ajuda a explicar isso é o culto ao corpo magro. A pressão para que mulheres emagreçam pode começar, muitas vezes, em casa ou nos estágios iniciais da juventude. Para a psicóloga Giovanna Vitale Longhi Bertoni, essa pressão pode estar relacionada ao padrão de beleza que é imposto às pessoas. “Os jovens podem se sentir mais pressionados a atender padrões estéticos para se sentirem bem consigo mesmos”, afirma.

Para complementar a fala de Giovanna, Eduardo dá a seguinte resposta: “este transtorno está muito ligado ao estilo de vida, aos pensamentos, crenças e valores ao redor de um corpo ideal. O paciente também precisa trabalhar os outros sintomas que reforçaram o transtorno como a ansiedade, baixa autoestima e depressão. Por isso que o tratamento exige a articulação de profissionais e da família”.

A Complexidade: “Eu queria menos”

A estudante de nutrição Camila Rolim já foi vítima dessa imposição. “Sempre tive problemas com imagem. Com nove anos eu já comparava meu corpo com o de outras crianças porque elas tinham a barriga reta e eu não. Nesta época a minha família já falava que eu precisava parar de comer porque ia engordar muito”. Aos 13 anos, Camila descobriu alguns grupos, compostos por outras adolescentes, que ficavam vários dias se comer. Não demorou para que ela entrasse no desafio. “Fiquei três dias sem comer, não aguentei e voltei a comer compulsivamente”, relembra. A partir desse episódio, ela entrou em um círculo vicioso em que ficava dias sem comer, quando não aguentava mais, comia e depois fazia diversos exercícios tentando perder as calorias que tinha ganho. “Eu tinha dificuldades para aceitar o meu corpo”. Os anos seguintes foram ainda mais tortuosos para Camila. Isso porque ela foi morar sozinha em outro estado. Neste período, mal comia e costumava fazer algumas dietas para emagrecer ainda mais. Ela chegou a ficar uma semana tomando apenas água para emagrecer. Os resultados logo começaram a surgir. Enquanto o peso diminuía, os problemas aumentavam: ela desenvolveu bulimia e depressão. Por duas vezes, em menos de três anos, tentou se suicidar. Sua vida só começou a mudar quando ela conversou com uma professora da graduação sobre o assunto. “Ela me aconselhou a procurar ajuda e, só então, caiu a ficha de que eu poderia ter bulimia”, afirma.
Para Bertoni, dada a complexidade desses transtornos, é essencial que a pessoa busque auxílio profissional. “A busca por ajuda é fundamental no sucesso do tratamento e na redução do sofrimento da pessoa que sofre com transtornos alimentares”. Essa atitude, lembra a psicóloga, deve acontecer assim que a pessoa perceber qualquer mudança comportamental que traga prejuízo às relações sociais, à saúde e às realizações pessoais, profissionais ou acadêmicas. Assim como Fernanda, Camila passou por um longo tratamento para conseguir vencer a bulimia e a depressão. “Eu comecei a me acolher e aceitar”, relata. Ela lembra ainda da falta de apoio familiar e diz que, mesmo durante o tratamento, sua mãe continuava reticente. “No começo ela negava e não entendia o que estava acontecendo e, no decorrer do tratamento, só queria saber até quando eu ainda teria que tomar o remédio. As minhas irmãs choravam bastante e se culpavam muito”.

Quando chega a ajuda

Para a nutricionista Luana Macedo, o apoio familiar, apesar de inexistir em vários casos envolvendo transtornos alimentares, é muito importante no processo de aceitação da doença e na busca por ajuda. “As pacientes não aceitam, muitas vezes, a doença e se negam a tratá-la, levando-as a buscarem ajuda somente quando a doença já se encontra em fase avançada, com outras doenças associadas”, observa. Ela acrescenta ainda que alguns indivíduos com anorexia, por exemplo, chegam aos hospitais correndo risco de morte.

A endocrinologista Larissa Alves Ruas concorda com Macedo. Para ela, a demora na procura por ajuda ocorre por vários fatores, mas principalmente por não se sentirem realmente doentes. “Os sintomas nem sempre são notados de imediato. Na maioria das vezes, quando algum parente percebe é porque o seu familiar já está em um nível avançado do distúrbio. A procura por tratamento médico demora, em média, cerca de cinco anos para bulimia nervosa”, afirma.

Assim como a procura por ajuda médica, o tratamento pode demorar bastante. Bertoni conclui que a persistência do paciente é de extrema importância para a remissão dos sintomas e sucesso no tratamento.

Depois que o paciente está curado, a endocrinologista Larissa diz que “é comum o paciente sentir a necessidade de um acompanhamento profissional esporádico, depois da superação do quadro”. O retorno aos especialistas demora um pouco para acontecer, mas é importante caso haja remissão da anorexia ou dos transtornos psiquiátricos associados.

Para saber se a pessoa está curada, Larissa observa as mudanças: “Isso pode ser percebido a partir do ganho de peso, da diminuição do medo em engordar, da melhor percepção da autoimagem e da melhora dos parâmetros clínicos como retomada do clico menstrual, desbalanço hidroeletrolítico, entre outros”.

Buscar o tratamento apropriado é essencial para que as doenças não comprometam ainda mais a vida dos pacientes. Quando a ajuda demora, ou não é feita, as consequências para a saúde são graves, podendo levar até mesmo ao óbito, em casos mais sérios.

A estudante Camila Rolim. Foto: acervo pessoal

Autoaceitação é o caminho

Os movimentos de aceitação estão ganhando espaço nos debates públicos, na mesma medida em que muitas mulheres e homens estão se aceitando. No Brasil, as mídias sociais estão trazendo um dos maiores projetos em defesa da liberdade corporal: o body positive – corpo positivo -, um movimento que prega a desconstrução do discurso do padrão de beleza imposto pela sociedade.

Por esse motivo, a especialista do movimento plus size no Brasil, Patrícia Assuf, aborda como o body positive traz afetividade para as pessoas se aceitarem como são e desconstruir padrões que privilegiam o estereótipo perfeito – corpo magro, sem estrias, manchas e outras características, sem desenvolveram transtornos alimentares.